Recordo as manhãs de outrora e a preparação para a escola. Sentado na sua cadeira, meu avô com o olhar acompanhava-me nestas andanças diárias e dava-me suas orientações…
Tudo corria bem até à altura de me calçar e apertar os sapatos em que a conversa era sempre a mesma:
- Maria não está bem. Isso é uma laçada, não é um nó.
- E qual é o problema?
- O problema é que daqui a um bocado, está tudo desfeito. Tens que fazer bem o laço e o nó tem que ficar bem apertado.
- Está bem avô eu faço.
E eu repetia os gestos conforme ele me dizia.
Maria
Meu Deus, como é engraçado
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço, uma fita dando voltas
Enrosca-se, mas não se embola, vire, revira, circula e pronto:
Está dado o laço!
É assim que é o abraço
Coração com coração, tudo isso cercado de braço
É assim que é o laço
Um abraço no presente, no cabelo, no vestido, em qualquer coisa onde o faço
E quando puxo uma ponta, o que é que acontece?
Vai escorregando, devagarzinho, desmancha, desfaz o abraço
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido
E, na fita, que curioso, não faltou nenhum pedaço!
Ah, então é assim o amor, a amizade, tudo que é sentimento
Como um pedaço de fita
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora
Deixando livre as duas bandas do laço
Por isso é que se diz 'laço afetivo', 'laço de amizade'
E quando alguém briga, então se diz: 'romperam-se os laços'
E saem as duas partes, iguais meus pedaços de fita
Sem perder nenhum pedaço
Então o amor e amizade são isso
Não prendem, não escravizam, não sufocam
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!
Mário Quintana