guardado algures
fechado com um cadeado
e a chave escondida na memória
um cofre contêm todo o ser
do que somos verdadeiramente
verdades, inverdades, mentiras, segredos, sonhos
pequeno no tamanho
mas grande no conteúdo
de quando em vez a chave é usada
e o cofre é aberto
e espreitamos
como se de outra vida se tratasse
saciando a curiosidade
e matando o desejo do ser apenas outro eu
e é este desejo que deixa
libertar o ser aprisionado
permitindo-lhe um esvoaçar curto
como se de um treino se tratasse
o primeiro abrir de asas
é inseguro e amedrontado
o segundo ainda que indeciso
demonstra já alguma confiança
o terceiro surge numa necessidade
e ganha contornos maiores
num crescendo de muitos outros
como um treino compulsivo e cadenciado
o que nos envolve e rodeia
as pessoas com quem convivemos
os encontros e desencontros da vida
ditam o tempo de abertura e o que se liberta
e tal qual o voo do pássaro
começamos por nos revelar aos poucos
num olhar, num gesto, numa palavra, num dizer
somos o que somos
e por instantes
dá-mo-nos a conhecer
numa partilha do nosso ser
num dar sem querer nada em troca
sem enganos e juízos de valores
e acreditamos
porque queremos que assim seja
e assim o desejamos
até que um dia
algo se passa sem saber qual a razão
e descobrimos que afinal
tudo não passava de um querer sem querer
a liberdade vivida deixa de fazer sentido
e o retrocesso é duro e doloroso
e aos poucos recolhemos um a um os pedaços libertados
e ainda outros entretanto apreendidos
e tudo é metido novamente no cofre
fechado com todo o cuidado
e prometendo nunca mais o voltar a abrir
sentires e resoluções vãs
pois num outro momento
numa causa inexplicável
numa esperança diferente
algo vai ser contrariado
e tudo irá repetir-se
pois o treino nunca terminará.
Maria
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